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quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Vendo por outra perspectiva

A Tânia me ajuda aqui em casa a cada 15 dias. Pagamos bem menos do que aquilo que ela merecia ganhar pelo trabalho que faz. Na verdade é complicado mensurar trabalho: qual é o valor de um banheiro lavado ou uma camisa passada? De um apartamento organizado? E de uma aula de geografia, da produção de um programa de TV, de uma massagem, uma orientação médica, uma conta paga na boca do caixa?

Uma amiga minha, num bate-papo, diria que eu pago bem demais a Tânia e, noutro, defenderia um mínimo para uma sessão de fisioterapia. O mínimo é maior que a diária da Tânia e a defesa advém do fato de ela ser fisioterapeuta.

Muitas pessoas justificam a baixa diária que pago para Tânia, ou os baixos salários do segurança do banco, do porteiro, do moço que trabalha no caixa do supermercado, dizendo que estas pessoas não estudaram, não têm curso superior e, muitas vezes, nem ensino médio. E o que você acha disso?

Vou dizer o que eu acho (na verdade o que acho foi - e é - construído a partir daquilo que fui ouvindo durante a vida. Nada de muito inovador ou original, ok?!): acho que pagamos salários muito baixos para estes profissionais e, com isso, contribuímos para a construção de uma sociedade menos homogênea, justa e igualitária (3 palavras belamente utilizadas por Maria Conceição Tavares em uma rápida declaração para os jovens economistas).


O que vou dizer é meio óbvio e complexo ao mesmo tempo, mas vou tentar dizer mesmo assim: com a diária que eu pago pra Tânia (ok, confesso: R$ 60,00), qual a chance que dou a ela de almejar a conclusão do ensino fundamental? Perguntei a ela se ela não gostaria de voltar a estudar. Ela disse que já quis, hoje não quer mais. Disse que começou a trabalhar em casa de família aos 13 anos pra ajudar sua família (lá no nordeste), parou de estudar e nunca voltou.

Claro, não quero ser romântica e sair defendendo cegamente a Tânia (e, com ela, toda uma classe de trabalhadores). A Tânia é também responsável pelos rumos que sua vida foi tomando. Mas digo "também", porque realmente acho que ela não é a única responsável.

Como é possível apontar o dedo para alguém com uma trajetória de vida tão diferente da minha? Aos 13 anos eu estava estudando no período da manhã em escola particular e fazendo aula de balé e futebol no período da tarde! Independente de quanto meus pais pagavam numa coisa ou noutra, fica muito claro que existe um grande abismo entre a minha realidade e da Tânia.

A mim foi dada a chance de contato com a cultura, com leituras, com o pensamento lógico, a oportunidade de escolher um curso universitário e de cursá-lo, de pensar e construir um futuro. À Tânia, não. Sim, ela poderia ter "dado a volta por cima", batalhado, concluído os estudos, como muitos fazem. Mas para isso, a Tânia teria de ver ao longe uma boa perspectiva de que sua vida se tornaria consideravelmente melhor. Porque, diferente de mim, a Tânia teria de trabalhar, estudar e viver ao mesmo tempo: um esforço que, para tomar forma, precisa valer a pena! Ela não conseguiu ter esta visão. Nem ela nem a grande maioria que a cerca no Jd. Maria Luiza. Eu fui levada a pensar sobre o meu futuro: minha família, professores, as pessoas que me cercavam me impeliam a pensar sobre isso. Classe média pensa o futuro! E enquanto eu pensava no futuro, a Tânia estava se preocupando com o dia de amanhã, com a conta do mês.

E sabe o que eu faço quando pago R$ 60,00 para Tânia por um dia do seu trabalho? Imponho uma realidade semelhante ao filho dela, que ajuda trabalhando na feira. Qual a chance que ele tem de competir na vida com um possível filho meu? Poucas. Percebe como desta maneira não contribuo para uma sociedade mais igualitária?

De novo: não quero ser romântica, nem quero que eu e você demos as mãos e transformemos a realidade deste país de um dia para o outro. É tudo muito complexo e minha cabecinha não dá conta do problema como um todo. Sei disso. Mas acho que é preciso pensar a realidade da Tânia pela perspectiva dela, não pela minha. Entende? Olhar para a vida e as escolhas dela da mesma maneira que olho para as minhas só vai fazer com que eu a exclua e explore ainda mais. E o pior: exclua e explore com a consciência tranquila.

Precisamos de consciência tranquila para seguir vivendo as nossas vidas. Fato. Mas precisamos também nos permitir certas inquietudes, nos permitir pensar socialmente e não apenas individualmente, nos permitir novos olhares e novas perspectivas. Bom, é o que eu acho!